sexta-feira, 13 de julho de 2007

7ª - 2 de Maio de 2007

(Quadro de Ângelo de Sousa)

Cheguei à hora, mas ainda estavam lá poucos colegas (o texto desta vez é mais extenso devido a ter ficado incumbida de tomar apontamentos para um colega). Pouco a pouco foram chegando mais, até que o nosso Professor resolveu abrir a sessão, convidando-nos a ler o TPC.
A 1ª voluntária leu um texto muito bem escrito bonito pelas imagens que evocava, mas não me pareceu um inferno. Mais uma história de vida, com referência a memórias partilhadas e a um cúmplice (devo sublinhar no entanto que por ter dormido muito pouco estava cheia de sono; apesar de estar a tentar estar atenta, pode ter-me escapado o "inferno" entre as linhas).
Depois voluntariou-se uma colega mais jovem. O seu texto era escrito por alguém que tinha sido abandonado e expressava o seu ódio contra aquele que a abandonara. Já me pareceu mais um inferno.
Um colega também jovem trazia um texto a duas vozes e pediu a ajuda do outro colega a seu lado. Penso que teria sido melhor ideia ter pedido a colaboração de uma colega porque o seu texto era sobre uma mulher torturada e a segunda voz era a dessa mulher. No entanto, pareceu-me muito interessante a sua ideia.
Não sei se nessa altura o Professor explicou-nos (melhor) o que pretendia com o TPC. Queria que inventássemos um narrador que falasse de uma grande humilhação sofrida. Como por exemplo alguém com um ar importante que se estatela no chão.
Referiu também que o texto confessional do nosso personagem perde força quando é acompanhado pelo elemento da compaixão.
Pretendia-se uma viagem ao fim da noite, a descoberta do nosso rosto, do que somos. Segundo o professor, em cada um existem vários trastes ou um traste, um ser abjecto e a noção de que às vezes vem à tona é importante.
O professor não queria a sombra da compaixão, mas o nojo. Deu o exemplo de uma mulher apaixonada por um homem, a quem outro homem se declara. Se este lhe pedisse e lhe suplicasse em lágrimas para ficar com ele, ela sentiria por ele repulsa, nojo, desprezo. Pareceu-me que o professor tem a ideia de que as mulheres nesse domínio serão piores do que os homens.
Citou um poema de Eugénio de Andrade sobre o pai dele. Era filho natural. A mãe era uma camponesa abandonada, que o deu à luz em pleno campo e o pai um proprietário rural que tinha desprezo pelo filho por ser filho da camponesa. Nesse poema ele diz que iria cortar os genitais do pai e que depois os lhe enfiaria na boca (modalidade de humilhação que eu desconhecia).
Muito violento (esta apreciação é minha, agora).
O professor citou aquela frase ou será mesmo um título de um livro do Sartre "L'Enfer sont les autres". Referiu que os nossos ódios normalmente movimentam-se na esfera familiar, fonte de neuroses.
Referiu também que às vezes cruzamo-nos com pessoas que imediatamente detestamos (não tenho bem a ideia de isto me acontecer, mas pode ser porque sou míope)
Pediu-nos então para escrevermos um texto de ódio.
Escrevemos o texto e alguns voluntários leram os textos que tinham escrito. Penso que talvez dois, respectivamente de uma colega e um colega, pegaram no tema de uma forma parecida, como se tivéssemos uma leitura feminina e uma leitura masculina de alguém que tinha sido abandonado.
O Professor falou-nos então de alguns escritores que foram bem maus.
O Camilo Castelo Branco forjou umas cartas, fazendo crer a um amigo recém-casado que a mulher o tinha atraiçoado. A rapariga morreu de desgosto por se ver desprezada injustamente e o amigo suicidou-se.
O Proust comprava ratinhos brancos que depois picava com agulhas de chapéus e era assim que se realizava sexualmente (não sabia nada disto sobre ele, e se calhar até preferia continuar a não saber...)
Falámos também do Desprezo de Moravia e de um livro "O Cego de Sevilha" (não apanhei o autor). Um homem para se vingar de outro por uma patifaria nos negócios, filma em vídeo a mulher que o segundo adorava, a enganá-lo com o melhor amigo, prende-o no sótão, corta-lhe as pálpebras para que não possa fechar os olhos e obriga-o a ver o vídeo.
Foi-nos exibido um quadro (a preto e branco, um triângulo preto com o vértice virado para baixo e o resto do quadro em branco) Disse-nos que era de um pintor abstracto que vive no Porto, mas não nos disse o seu nome. E pediu-nos títulos para o quadro. Foram propostos: Más Notícias, Cálice, Decote, Triângulo não amoroso, Traseiro (este achei estranho) e Triângulo original.
Falou-se do grau 0 da escrita, escrita neutra.
Uma nossa colega foi escrever o início do seu texto de ódio, ao quadro. E foi-nos perguntado o que seria preciso para que ficasse esquemático. Primeiro tirar a pontuação, depois os adjectivos e a seguir as expressões coloquiais. O texto ficou mais em bruto. Colocou-se a questão se estaria mais forte. A resposta foi a que por estar mais curto ficou mais frio, por isso mais forte.
Falou-se de novo na matriz barroca e na matriz neoclássica e sobre qual será a casa que habitamos quando escrevemos. Em qual das duas grandes famílias de escritores, os que escrevem, acrescentando e os que escrevem, retirando.
Escrita meridional - Barroco, universo italiano
Escrita setentrional - Alemanha, países nórdicos mais clássicos
É sempre possível tirar mais, mas cuidado para não tirarmos tanto que que não diga nada, existindo o mesmo perigo no outro: pôr tanto que a mensagem se perde.

Agora o TPC para a próxima aula:
- Receita de algo que gostamos muito e escrever de forma mais literária possível.
(eu pensei na mousse de chocolate, mas ainda estou indecisa; entretanto comecei dois ou três textos...mas não estou satisfeita com o resultado. Como escrever uma receita culinária de uma forma literária? Penso nos livros "Chocolate" da Joan Harris e "Como Água para Chocolate" de Laura Esquivel. Deverá ser algo assim ou estarei simplesmente com uma carência de chocolate?)

7 comentários:

tufa tau disse...

não me lembro de receitas no "chocolate", boas imagens, sabores, aromas... isso sim!

redonda disse...

:)agora que falas nisso, neste momento, também não me lembro :)

Apache disse...

“pode ter-me escapado o "inferno" entre as linhas.” Situação ideal, diga-se…

“Nesse poema ele diz que iria cortar os genitais do pai e que depois os lhe enfiaria na boca (modalidade de humilhação que eu desconhecia).” Na tropa usava muito uma expressão similar, não sabia que não estava a ser original. Lol

De facto, parece que o que não falta por aí são tarados. Mas acho que este teu “professor”, também…

A única coisa que me agrada nestas "estórias" é a carência de chocolate...

redonda disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
redonda disse...

Fizeste-me rir com o teu comentário, mas podes acreditar que o professor é muito bom (eu é que reproduzo muito mal as suas palavras)

Dari disse...

"O Cego de Sevilha" é de Robert Wilson. Adquiri-o há pouquíssimos dias, por 2,5 euros no Jumbo. Fiquei curiosa o.O

Tenho lido as entradas do blog sem quase respirar. Esse curso parece ter sido interessante mas há lacunas imensas na tua escrita - faltam exemplos. De textos, por exemplo. De alguma técnica.

Falar sobre chocolate traz o sabor e a textura, o derreter quente, doce, à boca. Fiquei intrigada com este exercício e adoraria ler a solução apresentada por ti, por exemplo.

redonda disse...

Obrigada pela indicação do escritor (vou ver se um destes dias a acrescento ao post com um link) e pelas palavras.

Inicialmente pensei em acrescentar a este espaço os meus textos. Depois fiquei só pela intenção :)

Continuam a realizar-se ateliés de escrita em Serralves. Em princípio, o próximo arranca em Outubro.